Visão Skopos – Carta Macro Novembro
Escrito por: Christian Thorgaard

Prezados investidores,

Novembro foi mais um mês de volatilidade alta nos mercados internacionais, com movimentos importantes nas moedas e nas curvas de juros, especialmente com a vitória expressiva de Donald Trump nas eleições americanas. Localmente, as tratativas e o efetivo anúncio das medidas de corte de gastos, com impalatável surpresa na última hora, produziram nova rodada de violenta deterioração nos ativos brasileiros.

Estados Unidos

Nos Estados Unidos a dinâmica no curso do mês deu tração aos temas patentes já em outubro. A reprecificação das perspectivas de atividade e inflação, inaugurada já em outubro, foi acrescida da confirmação da vitória do candidato Republicano, Donald Trump, nas eleições presidenciais. Como produto, o mês teve mais uma rodada de elevação no yield das Treasuries americanas, bem como novo fôlego no movimento de valorização da moeda americana, com impactos importantes tanto no mundo emergente quanto desenvolvido.

O movimento dos mercados dialoga com a perspectiva dos agentes a respeito do mix de política econômica advogado pelo governo eleito, particularmente no que diz respeito à política comercial, fiscal e imigratória. Em conjunto, maior protecionismo com ativo uso de tarifas, crackdown nos fluxos migratórios e uma agenda robusta de corte de tributos são digeridos pelos mercados como produtores de maior inflação, algo potencializado pela posição cíclica ainda muito robusta da economia norte americana. Neste contexto, a precificação do ciclo de juros voltou a ilustrar taxas terminais mais altas, em cerca de 3,7%. Ao longo do mês, à medida em que saiam as primeiras nomeações do novo governo, marcada por membros mais alinhados às visões do presidente e postura mais hawk quanto à China e as tarifas, vimos outra pernada de alta nos juros de 10 e 30 anos, que chegaram às máximas de 4,45% e 4,63%, respectivamente. No mesmo sentido, a inflação implícita de 10 anos bateu 2,4%, de cerca de 2,27% em meados de outubro. O dólar index saiu de 103,97 em final de outubro para fazer pico em 107,6, mais alto nível desde 2022.

A nomeação de Scott Bessent para o cargo de secretário do Tesouro americano trouxe importante descompressão aos mercados. A leitura corrente identificava na escolha um profissional sóbrio e pragmático, de mercado e com histórico em gestão ao lado de nomes como George Soros; capaz de temperar as posições mais agressivas do presidente e trazer maior pragmatismo e cautela à política econômica. Ao longo do processo eleitoral, Bessent sugeriu algumas vezes o uso das tarifas como importante alavanca ou arma para as negociações comerciais. Demais, o futuro secretário defendia a redução do déficit público para cerca de 3% do PIB, bem como o aumento importante na produção doméstica de petróleo. Independentemente do mérito, fato é que a escolha trouxe alívio nos juros, no dólar e nas implícitas, que em linhas gerais retornaram para em torno ou ligeiramente abaixo de onde estavam na abertura do mês.

No lado da atividade, os dados seguiram ilustrando um quadro salutar para a economia americana, compatível com cenário de pouso suave. O consumo seguiu em curso de expansão, com avanço de 0,4% nos gastos de consumo das famílias e alta de 0,7% na renda pessoal disponível das mesmas. No lado do emprego, o quadro geral seguiu compatível com um cenário em que as contratações pausaram, mas tampouco existe relevante onda de demissões. A taxa de admissão seguiu abaixo do pré-pandemia, em 3,5%, mas os layoffs seguiram baixos (1,2%). O payroll de outubro trouxe número muito fraco (12 mil), mas especialmente influenciado por eventos adversos como a ocorrência dos furacões e greves, como na Boeing, que produziram compressão pontual nos números para o mês. O desemprego, oriundo de outra pesquisa que foi menor influenciada por estes fatores, permaneceu estável em nível ainda baixo (4,1%), contribuindo para afastar os riscos de virada não linear no emprego que vigorou ao longo dos meses de maio a julho, nos quais a taxa avançou de 3,9% a 4,3% rapidamente.

Ainda assim, entendemos que há risco de novas rodadas de números fracos no ambiente do mercado de trabalho, sem que isto configure um quadro de recessão iminente. Na verdade, observamos uma economia com ritmo de contratações que deve ser insuficiente para fazer frente à expansão da força de trabalho, imprimindo trajetória de alta moderada na taxa de desemprego. É a continuidade de gradual processo de rebalanceamento e normalização do quadro de atividade, sentindo os efeitos defasados do aperto monetário. Entendemos que a economia deve seguir em expansão, ainda que em ritmo cadente. Trata-se, em suma, de uma suave aterrissagem.

No front da inflação os dados do mês repetiram a dinâmica geral de agosto e setembro, com números mais quentes do que o observados ao longo dos meses antecedentes. Ainda assim, o qualitativo é mais benigno na ponta, com leitura mais branda nos serviços (0,3%, de 0,4%) sustentada por acomodação no chamado supercore (serviços ex-housing) (0,3%, de 0,4%). Em linhas gerais, a tendência de desinflação segue, ainda que não linear, como expresso no avanço da inflação na ponta e nas médias móveis de 3 meses. Não enxergamos, neste movimento, algum tipo de ressurgimento das pressões inflacionárias, senão uma normalização após leituras atipicamente baixas. É uma estabilização em níveis ligeiramente acima da meta, em linha com o dinamismo que continuamos a observar na atividade. A última milha da desinflação de fato deve ser mais complexa, mas ainda não enxergamos vetores que possam interromper de forma material o processo. Shelter segue carregando decisivo impacto sobre a dinâmica de preços, refletindo grande defasagem entre os aluguéis de mercado e os indicadores oficiais. De outro lado, o mercado de trabalho vem em tendência de arrefecimento, carregando moderação no ritmo de crescimento dos salários, algo que também afasta o risco de reaceleração perene da inflação. Há dúvidas no contexto dos bens, especialmente sob o espectro do ressurgimento de políticas comerciais protecionistas. Em nossa leitura esse é um tema a ser monitorado, mas a depender do recorte das tarifas enxergamos mais potencial de danos às margens dos agentes do que necessariamente grande pressão aos consumidores, particularmente se o movimento for acompanhado de desaceleração mais firme da atividade e mercado de trabalho. Demais, a depender da extensão das tarifas, elas atuam ou promovendo um rearranjo de preços relativos ou como um imposto que deprime o consumo no agregado pelo encarecimento dos preços em geral. Em ambos os casos o impacto tende a ser mais pontual, promovendo deslocamento para cima do nível de preços, mas sem, necessariamente, ensejar uma dinâmica de inflação persistente.

Por fim, merece destaque a reunião do FOMC, que sem surpresas deu sequência ao movimento de normalização, com corte de 25 bps nas taxas de juro. Em destaque, Powell veio com uma postura mais dovish face a evolução dos dados entre setembro e novembro, que basicamente trouxeram melhora no emprego, revisão altista no PIB e no nível de poupança das famílias, além de inflação mais quente. Na verdade, o chair reforçou a mensagem de necessidade de recalibragem da política monetária, retirando o grau de restrição dos juros de forma gradual. A força da economia autoriza a autoridade monetária a prosseguir de forma cautelosa, de tal sorte a não arriscar nem o mandato de emprego, tampouco o mandato de preços. Quer dizer, dado o nível de resiliência do emprego, seria possível ir ajustando gradualmente os juros sem ameaçar a atividade e assegurando a vitória na “última milha” do processo de desinflação. Há dúvida sobre o nível do juro neutro, mas há consenso de que o patamar atual é restritivo. Powell abriu a porta para uma pausa à medida em que o nível de juro se aproximar da vizinhança do neutro. Não se trata, contudo, de agora. O juro ainda reside em 4,75%, distante mesmo de estimativas mais agressivas do neutro. Em setembro, durante a última publicação das projeções do board, o FOMC trouxe um range de visões para o neutro indo de 2,4% a 3,8%. Outro reforço à visão de continuidade no movimento de cortes a curto prazo foi a caracterização que Powell deu ao movimento da inflação. Em sua leitura, esboçada durante a conferência de imprensa, o movimento mais amplo de desinflação segue em curso e não foi alterada a confiança do board. A última milha tende a ser mais turbulenta, mas os preços ex-moradia rodam onde rodavam na última vez em que o FED obteve inflação na meta, segundo Powell. Seguimos esperando mais um corte de 25 bps em dezembro. De janeiro em diante há alguma dúvida sobre uma possível pausa para cortes não sequenciais, especialmente se a sazonalidade residual que observamos nos últimos dois anos voltar a puxar os índices de preços no começo do ano que vem. As dúvidas são alimentadas pela sugestão de não existir pressa em retornar os juros ao neutro, dada a força da economia e o processo de desinflação. Ainda assim, esperamos que os dados de emprego se tornem marginalmente menos benignos e alguma desaceleração na atividade, de tal sorte a autorizar cortes sequenciais até os níveis neutros.

Europa

Do outro lado do atlântico o cenário europeu segue desalentador. O quadro complexo que já se apresentava para as economias na zona do euro ganhou contornos ainda mais severos. Demais, as perspectivas de escalada na guerra comercial e turbulências políticas na Alemanha e na França nublam ainda mais o cenário, com impactos materiais já a curto prazo na trajetória da atividade econômica.

Ao longo de novembro a bateria de dados de atividade trouxe números bem fracos, com destaque para as prévias dos PMI’s de novembro. A fraqueza ora concentrada no setor industrial alemão começa a se espalhar para fora do setor manufatureiro e aparece também para além da Alemanha. Com efeito, à título de ilustração, o PMI de serviços alemão ficou abaixo do neutro (49,4), mais baixo nível em 9 meses. No mesmo sentido, o PMI composto cedeu a 47,3 (de 51,6), ao passo que a manufatura continuou em contração importante (43,2). Na França tivemos leituras indicando contração em todas as linhas (45,7 em serviços, 43,2 na manufatura e 44.8 no composto), bem como na Zona do Euro como um todo (49,2; 45,2; 48,1 entre serviços, manufatura e composto, respectivamente).

No lado da inflação o quadro também seguiu ilustrando perda de momento sequencial, ainda que o interanual avance por conta dos esperados efeitos-base. A prévia do CPI para novembro trouxe queda no núcleo da inflação (-0,3, de 0,3%), com destaque para importante queda na inflação de serviços (-0,9%, de estabilidade em outubro). Em perspectiva, percebe-se importante desaceleração na dinâmica de serviços, cuja resiliência incomoda aos membros mais austeros do ECB. De fato, com a prévia de novembro, a média móvel de 3 meses, já anualizada e dessazonalizada, sai de cerca de 6% em maio para 2,0% nesta última leitura.

A perspectiva de tarifas traz algumas divisões no bojo do banco central europeu, que pode se traduzir em cautela maior do que a necessária, com custos importantes para a economia. Neste mês, por exemplo, Isabel Schnabel, do Executive Board do ECB, sugeriu pouca disposição de resolver via juros problemas oriundos de “fraquezas estruturais”, advertindo contra o retorno à níveis estimulativos de política monetária.

Os problemas no âmbito da atividade foram acrescidos neste mês das incertezas em torno da política comercial americana. Um mundo de aumento das tensões comerciais carrega importantes impactos à economia da zona do euro, especialmente na Alemanha, cujo modelo exportador e dependente da energia barata russa encontra-se em cheque. Demais, é relevante a chance de investidas tarifárias contra a economia europeia por parte do presidente eleito americano. A simples incerteza comercial já pesa sobre as decisões de investimento a curto prazo e ensejam impacto antes cedo do que tarde sobre a economia.

Não bastassem as incertezas internacionais, o quadro político doméstico de países importantes se deteriora. Na Alemanha, o governo do social-democrata Olaf Scholz está à beira do colapso, com voto de não confiança agendado para o começo de 2025, que deve ser seguido de novas eleições. O governo ficará sem liderança efetiva em momento crítico no ambiente geopolítico e econômico. Já na França, o governo do premiê Barnier, que chegou ao poder sem maioria parlamentar em costura complexa de Macron para evitar entregar o poder à esquerda; está nas cordas. Impasses sobre a aprovação do orçamento fiscal e resistências às necessárias medidas de consolidação ameaçam derrubar a administração e o pacote. O progresso depende do apoio de Marine Le Pen, que faz silêncio em meio à denuncias e processo de corrupção avançando sobre ela e correligionários.

Neste espaço temos reforçado nosso pessimismo com o cenário de crescimento europeu, calcado em fraquezas estruturais, relativas ao modelo de crescimento; dificuldade institucional, imprimindo desafios no lado da política fiscal, bem como excesso de conservadorismo por parte da autoridade monetária. Os mercados trabalham ainda com um juro europeu muito próximo do neutro até o final de 2025. Vai ao encontro da ala mais hawk do banco, que reforça os riscos ainda existentes no combate à inflação, além do fato de as projeções de crescimento apontarem algo próximo do potencial. Em nossa visão o crescimento vai desapontar para baixo, forçando o juro para níveis estimulativos tão cedo quanto o ano que vem. Esta realidade vai se revelar ainda mais dramática com a escalada das tensões comerciais e políticas nas duas principais economias do bloco.

China

Indo à Ásia, as atenções abriram o mês inteiramente centradas na reunião do NRC chinês. Alguns agentes nutriam a esperança de novos anúncios em torno de uma política fiscal mais ativa, após sucessivas medidas empreendidas entre final de setembro e outubro. Conforme trouxemos na última carta, não esperávamos novos pacotes, senão o detalhamento das medidas anunciadas pelo Ministério das Finanças em meados de outubro e maior apoio sobre a situação financeira dos governos regionais. Nesse sentido, o saldo da reunião veio em linha com nossas expectativas. Não havia lógica em dispender mais munição a curto prazo, por duas razões em especial: i) as medidas já anunciadas ofereciam conforto ao cumprimento da meta de crescimento do ano de 2024 e ii) a eleição de Trump adicionaria incertezas e perspectiva de guerra comercial que exigiria respostas ativas do governo chinês em amparo a sua economia no próximo ano.

Com efeito, o foco da reunião foi o alívio da situação financeira dos governos regionais, particularmente o montante de dívida fora do balanço e de alto custo financeiro. A preocupação, que estava por trás também do esforço de estabilização do setor imobiliário, é com a saúde financeira dos entes e a capacidade de operacionalizar as políticas públicas. A saída do encontro revelou pacote de 10 trilhões de yuan destinados ao refinanciamento da dívida dos governos regionais. Deste montante, 6 trilhões de yuan seriam obtidos por meio do aumento do limite de dívida dos governos regionais, que abriria espaço para emissão de novos bonds especiais, permitindo a reciclagem da dívida fora do balanço, mais cara, por uma dívida dentro do balanço dos governos e com funding mais vantajoso. Outros 4 trilhões virão a partir da realocação de bonds do governo central para a questão.

O esforço de saneamento da situação financeira destes players é fundamental no push para redinamizar a atividade e preparar o terreno para o emprego de políticas mais agressivas no próximo ano, quando as tensões comerciais têm risco de escalada importante e com impactos não desprezíveis sobre o PIB chinês. Neste sentido, o ministro das finanças, saindo da reunião, abriu a porta à expansão do déficit no próximo ano, com novas medidas para o setor de propriedades, esperada recapitalização dos bancos e suporte a demanda doméstica.

Por fim, as atualizações ao longo do mês reforçaram a estabilização da atividade após primeiras leituras positivas em setembro. A produção industrial subiu 5,3% a/a em outubro, vindo de 5,4% em setembro, mas 4,5% em agosto. Já as vendas varejistas anotaram ganho de tração, com alta de 4,8% (de 3,2% em setembro), amplamente acima das expectativas. Já os investimentos permaneceram em alta de 3,4%, mas o investimento em infraestrutura teve modesta aceleração, de 4,1% para 4,3%. Nos próximos meses devemos assistir ao avanço mais célere destes gastos para garantir o cumprimento das metas deste ano. No mercado imobiliário os indícios de bottom vão ficando mais claros. A variação das vendas, por floor space, saíram de -20,3% em maio para 15,8% nesta última leitura de outubro. Os preços de casas novas também reduziram o ritmo de recuo na margem para o nível mais brando em 8 meses, ao passo que para as casas existentes a queda foi a mais leve em 13 meses.

Do lado negativo, a dinâmica de preços segue preocupando. A dinâmica deflacionária nos PPIs seguiu, voltando a aparecer também na dinâmica de preços aos consumidores. No caso do PPI, foi o 12º mês consecutivo de queda na margem, ainda que em ritmo mais brando (-0,1%, de -0,6%). Em 12 meses, o PPI recua desde outubro de 2022. Já no caso dos consumidores, o índice cheio caiu 0,3 e o núcleo ficou estável. Em 12 meses a inflação segue anêmica: 0,3% no headline e 0,2% no núcleo.

Japão

No Japão a agenda de indicadores deu novos indícios de persistência na inflação, particularmente alimentada por movimento de repasse de salários aos preços finais. No mesmo sentido, o board do BOJ, por meio do presidente Ueda, entregou retorica mais dura, mantendo vivas as apostas de outra alta de juros ainda este ano, na reunião de dezembro.

Com efeito, diversos indicadores sugerem saudável evolução dos salários, que em condições de mercado de trabalho aquecido e com relatos até de falta de mão de obra, criam condições para a transmissão aos preços. Os rendimentos dos salários anotaram alta de 3,8% a.a, ao passo que o PPI de serviços ilustrou expansão de 2,9%. Ao final do mês, o CPI de Tokyo para novembro trouxe surpresa altista nos dados de inflação aos consumidores, com destaque para os serviços. Na ponta, a inflação avançou 0,5% (de 0,5%), com o núcleo acelerando a 0,5% (de 0,4%). Os serviços continuaram o movimento de alta de preços (0,2%, de 0,4%), levando o acumulado em 12 meses para 0,9%.

Em linhas gerais, a evolução segue consoante com as expectativas da autoridade monetária e chancelam a continuidade no movimento de ajustes. Adicionalmente, em novembro, o gabinete do primeiro-ministro, Ishiba, aprovou importante pacote de apoio fiscal. As expectativas já haviam se deslocado neste sentido quando se materializou a derrota de seu partido em sua aposta de convocação de eleições antecipadas ao parlamento. A necessidade de coalização significou na prática maior empenho da política fiscal para angariar o apoio político agora necessário à sustentação do governo. O pacote deve somar 13,9 trilhões de ienes (cerca de 92 bilhões de dólares), com medidas destinadas a alavancar o crescimento, expansão de políticas sociais e rede de seguridade social, transferências de renda aos mais pobres, em como medidas orientadas a amortecer o impacto do maior custo de vida, como em energia e combustíveis.

Brasil

Vindo ao Brasil, novembro foi outro mês marcado por deterioração dos ativos locais, desta vez em magnitude expressiva. A desancoragem das expectativas e a expansão do prêmio de risco ganharam contornos críticos, tracionados em especial pela questão fiscal, sob um pano de fundo de atividade ainda resiliente, inflação mais desafiadora e maior adversidade no contexto global.

A pressão que outubro já havia trazido, especialmente na moeda brasileira, junto da resolução das eleições municipais e da vitória de Trump ao governo americano, parecia sensibilizar o governo a uma ação mais enfática no sentido de recuperar a credibilidade da política fiscal e abrir espaço para a descompressão de prêmio, com o condão de amortecer o orçamento esperado para o ciclo de alta de juros.

Nesse ambiente, foram inúmeras as reuniões e discussões no seio do governo em torno de um pacote de contenção de gastos mais ambicioso, orientado ao reforço da regra instituída como o novo arcabouço fiscal, oferecendo as condições materiais para sua sobrevida. Discutiu-se até mesmo revisão nas regras de reajuste do salário-mínimo, bem como formas de desvinculações das despesas com saúde e educação, sem contar ajustes importantes em políticas sociais pouco sintonizadas à realidade econômica atual, como o seguro-desemprego. Pareceu uma oportunidade importante de o Governo ilustrar compromisso com a questão fiscal e alterar de forma importante o cenário de crise de confiança que assolava os mercados. O progresso do mês foi trazendo sucessivos atrasos na definição e anúncio do pacote, com envolvimento cada vez maior de múltiplas alas do governo, ensejando num primeiro momento esforço verdadeiramente mais amplo no sentido da responsabilidade fiscal. Mesmo ministros mais alinhados à ala política do governo e pouco afeitos, historicamente, ao fiscalismo, passaram a emitir declarações na linha da comunicação da Fazenda sobre a importância de reforçar o arcabouço. O caso mais emblemático foi do Ministro Rui Costa, comandante da Casa Civil.

O próprio governo balizou as expectativas para algo mais consistente, ainda que as sinalizações tenham sido recebidas com grande ceticismo pelos agentes de mercado. O noticiário trazia a expectativa de cortes de 70 bilhões de reais nos próximos dois anos, além de medidas mais estruturantes que ofereceriam maior flexibilidade orçamentária, como no caso das desvinculações.

Próximo ao final do mês, no dia em que seria feito pronunciamento em rede nacional para publicizar as linhas gerias do pacote, descobrimos que o anúncio seria acompanhado da temida reforma da renda, promessa de campanha do presidente. Quer dizer, o governo perdera efetivamente a oportunidade de aliviar as tensões e o ceticismo com os rumos da política econômica. O que seria destinado a recuperar a credibilidade teve o efeito completamente inverso. Em dois dias os juros subiram cerca de 70 basis ao longo da curva, as NTNB’s passaram a negociar acima de 7,1% e o dólar avançou firmemente sobre o histórico nível de R$ 6. Como produto, colheremos nova e expressiva rodada de deterioração nas expectativas de inflação, colocando forte pressão sobre o BC no processo de alta de juros. Neste quadro, a curva já embutia juros terminais de 15% no último dia do mês, com apostas majoritárias de 100 bps de alta para a reunião de dezembro.

Em nossa leitura, ainda sem entrar no mérito da questão da renda, o anúncio do pacote fiscal foi uma grande decepção. O governo mais parece buscar flexibilidade para evitar o estrangulamento das despesas discricionárias, que enterrariam o arcabouço rapidamente, do que cortar na carne e ajustar o quadro de expressivo crescimento das despesas. A exclusão de ajustes no seguro-desemprego, por exemplo, nos parece bastante emblemática desta realidade. Mesmo os ajustes nas regras que governam o abono foram excessivamente conservadores e gradualistas, com impactos efetivos somente a partir de 2027. Boa parte das economias esperadas tratam de redobrar a aposta em medidas do tipo pente fino, como no caso do BPC e do combate a supersalários do setor público. De mais positivo, o anúncio revelou o uso de 50% das emendas de comissão em gastos com a saúde e a utilização de alguns recursos do Fundeb para a execução de despesas hoje sob o orçamento do ministério da educação. A proibição da renovação, concessão ou ampliação de benefício tributário em caso de déficit primário; a vedação de reajuste de pessoal acima de 0,7% real, a partir de 2027, em caso de queda no gasto discricionário; e o enquadramento da regra de reajuste do salário-mínimo aos ditames da regra geral do arcabouço; são fatores positivos, mas insuficientes face ao todo. As economias com as medidas, que o governo insiste residir em R$ 70 bilhões são, nas melhores das hipóteses algo como R$ 55 bilhões e algo como R$ 38 bilhões em estimativas mais conservadoras.

Do lado da política monetária percebemos o BC em uma situação de grande desconforto. A comunicação, especialmente após a decisão do COPOM de novembro, que acelerou o pace de alta de juros para 50 bps, sinalizou claramente a preferência pelo alongamento do ciclo como variável de ajuste. No entanto, a forte piora do câmbio e a deterioração contratada nas expectativas de inflação devem estressar a manutenção do ritmo de altas, produzindo relevante piora nas projeções de inflação da autoridade monetária. Continuamos enxergando um BC que hesita em reconhecer potenciais benefícios de uma estratégia de frontloading. Esta hesitação entendemos bem articulada pelo diretor Picchetti, em evento durante as reuniões do FMI, ainda em outubro. Na ocasião o diretor sugeriu uma “mudança de regime”, em que o fiscal deixa de tracionar a economia e os juros tornam-se ainda mais restritivos, comandando alguma cautela para digerir os impactos destas mudanças na trajetória da economia, bem como da inflação.

Em nossa última carta lembramos que os níveis de juro real, então próximos de 7% ex-ante, encontrava-se próximo das máximas históricas. Não enxergávamos paralelos com o quadro da economia com as outras ocasiões em que testamos esses níveis de juro, tampouco estimávamos violento aumento na taxa de juros neutra da economia. Quer dizer, o stance da política monetária já era e ficaria de fato ainda mais contracionista, o que contribuiria com o movimento de desinflação e desaceleração da atividade. Contávamos, no entanto, com alguma diluição de prêmio oferecendo espaço para apreciação mais firme da taxa de câmbio, criando condições para um ciclo mais brando e gradual. A realidade avançou em sentido diametralmente oposto. Nestas condições, especialmente pelo impacto dos acontecimentos sobre as expectativas e a moeda, entendemos que o ciclo deve ser mais extenso. Ainda assim, não enxergamos grande disposição de frontloading, especialmente pelo nível de juro real já superar 8%. Quer dizer, o BC parece inclinado a seguir optando por uma estratégia de “higher for longer”. Acelerar o ritmo de alta a 75 bps na reunião de dezembro deve ser a grande discussão do comitê, com novos argumentos a favor em função da grande frustração fiscal e deterioração de expectativas. Há, portanto, uma tensão entre, de um lado, o desejo revelado de se valer do prolongamento do ciclo como variável de ajuste e, de outro, a necessidade de estancar a desancoragem dada a magnitude da deterioração de expectativas.

Confira nossas outras publicações
Economia
Brasil – PIB 3T24: Mais uma surpresa altista, com destaque para a dinâmica do investimento
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
Visão Skopos – Carta Macro Novembro
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
CPI de Outubro: Desinflação ruidosa não altera plano de voo
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
IPCA Outubro: Números pressionados por alimentação e energia, mas qualitativo também pior
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
Visão Skopos – Carta Macro Outubro
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
EUA – Payrolls: Leitura ruidosa não afeta o cenário de soft landing
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
PCE e Renda Pessoal – Setembro: Consumo resiliente e desinflação mais lenta
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
EUA: Economia segue bastante dinâmica, tracionada pelos gastos de consumo
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
CPI de Setembro: Repique pontual não interrompe tendência positiva
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
IPCA Setembro: Leitura benigna nos núcleos e inflação subjacente
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
EUA – Payrolls: Números fortes elevam a chance de um soft landing
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
Ata do Copom: Tom duro aumenta as chances de um ciclo expressivo
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
CPI de Agosto: pressão pontual não altera trajetória benigna
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
IPCA Agosto: qualitativo construtivo, especialmente nos núcleos
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
EUA – Payrolls: Sinais de fraqueza prescrevem ação enfática
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
Brasil – PIB 2T24 : Surpresa altista revela economia robusta, com qualitativo melhor
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
CPI de Julho: Inflação em linha desloca o foco ao emprego
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
IPCA Julho: Reaceleração pontual puxada por fatores pontuais
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
Ata do Copom: Tentando comprar tempo
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
EUA – Payrolls: Mercado de Trabalho piscando amarelo
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
PCE Junho: Desinflação relevante, com trimestre muito positivo
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
EUA: Com economia saudável, soft landing segue no radar
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
CPI de Junho: Sequência de melhoras chancela cortes em setembro
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
IPCA Junho : Leitura benigna deve contribuir para dissipação de prêmio
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
Payroll EUA: Emprego sólido, mas cautela adverte ajuste nos juros
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
PCE Maio: Mais uma leitura positiva na inflação americana
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
Ata do Copom: Juros “higher for longer”, mas barra para subir é ainda mais alta
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
COPOM: Tom duro e manutenção unânime, mas barra alta para novas altas
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
FOMC de Junho: Projeções duras mas abertura para mais cortes
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
CPI de Maio: Tendência de melhora aumenta as chances de cortes em setembro
Análise macro Christian Thorgaard
Economia
Jobs report EUA: Sólido, mas não em sobreaquecimento
Análise macro Christian Thorgaard
Empresas
Suzano e IP: Uma reação exagerada
Análise micro Pedro Nogueira
Economia
Mercado de Crédito Privado e seu Reflexo no Brasil
Análise macro Pietro Tortoreli
Economia
Peso dos salários e perspectivas para a inflação
Análise macro Equipe Skopos
Empresas
Grupo Mateus: Da Mercearia à Liderança Regional
Análise micro Pedro Nogueira
Empresas
Vulcabras: Seguindo a passos firmes
Análise micro Pedro Nogueira
Empresas
Klabin: Destrinchando o projeto Caetê
Análise micro Pedro Nogueira
Empresas
Oceanpact: Um oceano de oportunidades
Análise micro Pedro Nogueira
Empresas
A Estratégia da Iochpe Maxion na Indústria Automotiva
Análise micro Pedro Nogueira
Cartas Antigas
Cartas históricas
Pedro Cerize
Participe da Comunidade Skopos